Wednesday, March 19, 2008

Ainda o relógio do nº 50 da rua da Boa Vista


O prédio sito no nº 50 da rua da Boa Vista, agora recuperado, e que ostenta uma caixa de relógio com dois mostradores (penso que oca, mas isso é outra conversa) terá sido um importante foco de propaganda do conhecimento científico e industrial durante grande parte do século XIX português. Penso que o relógio que lá esteve (semelhante a um outro, na imagem, que se encontrava na Rua da Imprensa Nacional, e que entretanto desapareceu, e que estava à porta de um relojoeiro que fechou) era de origem francesa, possivelmente comercializado em Portugal por Paul Plantier, e que foi durante muitos anos fornecedor também dos Caminhos de Ferro nacionais. Este relógio no nº 50 da rua da Boa Vista é dos tempos da Associação Promotora da Indústria Fabril, fundada em 1837 e que penso teve sede lá (ou no número 46 anexo). Essa organização, génese da actual Associação Industrial Portuguesa (AIP) foi muito activa na promoção do Progresso e na divulgação científica, editando, por exemplo, a Gazeta das Fábricas. Do ponto de vista da relojoaria, será ainda de notar que Veríssimo Alves Pereira foi um dos seus membros mais activos. Veríssimo, natural do Porto, era um mestre relojoeiro que construiu as meridianas na Torre dos Clérigos e, depois, no Castelo de São Jorge e na Escola Politécnica, na capital. Vizinho à Associação, encontrava-se então o Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, fundado em 1852 por Fontes Pereira de Melo, e que está na génese do Instituto Superior Técnico. Em 1854, fundou-se no Instituto uma oficina de instrumentos de precisão, para reparar e até construir vário tipo de aparelhos - incluindo relógios. O objectivo era o abastecimento e manutenção desses aparelhos de precisão (incluindo cronómetros) a todos os estabelecimentos científicos do Estado. As instalações do Instituto eram gigantescas, ocupavam todo um quarteirão, e tinham porta principal para o lado do rio e porta secundária para a rua da Boa Vista. Eram tempos em que a zona fervilhava de indústria e comércio - Augusto Justiniano de Araújo teve a sua oficina de relojoaria grossa no nº 164 da mesma rua e George Gundersen uma outra na vizinha Rua de São Paulo. Alguém se lembra ainda dos Armazéns do Conde Barão? e da Loja dos Parafusos? O que ardeu, ardeu, o que não ardeu está moribundo e entregue a lojas de chineses. Ainda está por fazer uma história do Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, onde o Tempo era tratado de maneira muito pouco portuguesa - com precisão.

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