Sunday, November 30, 2008

O relógio do Paço da Ribeira e a Restauração do 1º de Dezembro




Representação do Relógio do Paço (Museu do Azulejo) e Capa de Tempo e Poder em Lisboa
Há precisamente 368 anos, um sábado, pelas nove horas da manhã, dava-se início à operação militar que resultaria na restauração da independência do reino de Portugal, que desde 1580 ficara sob Coroa espanhola. Como em qualquer operação militar, o tempo sincronizado era importante e, para isso, era necessário um relógio comum aos conspiradores – no caso, o relógio do Paço da Ribeira.



Mesmo sob ocupação filipina, e com a capital do reino unificado em Madrid, Lisboa e o seu Paço não deixaram de ter importância política, pois era aí que se encontrava a viver o representante do rei castelhano. O golpe de 1640, liderado por nobres descontentes com a situação, procurando a recuperação da independência de Portugal, é uma operação militar. Decorre na zona do Paço e, como operação militar, necessita de um emissor de tempo comum, que sincronize as acções a desenvolver.
Diz D. Luís de Menezes na História de Portugal Restaurado que o grupo de Conjurados decidiu na última reunião antes da revolta, lendariamente realizada no Palácio dos Almadas, ao Rossio, avançar a acção para sábado, 1 de Dezembro de 1640. E que, “com o menor rumor que fosse possível, se achassem todos junto ao Paço, repartidos em vários postos, e que tanto que o relógio desse nove horas saíssem das carroças ao mesmo tempo”. Mais à frente, nesse mesmo dia, os conjurados, “impacientes, esperavam as nove horas, e como nunca o relógio lhes pareceu mais vagaroso, tanto que deu a primeira, sem aguardarem a última, arrebatados do generoso impulso saíram todos das carroças e avançaram ao Paço”. O resto, já se sabe. Portugal recuperou a independência, que tinha estado hipotecada a Espanha nos 60 anos anteriores. O relógio que deveria bater as nove horas era, possivelmente, o do Paço da Ribeira, com torre própria desde os tempos de D. Manuel I.
Outro relato coevo, a RELAÇÃO DE TUDO O QUE PASSOU NA FELICE ACLAMAÇÃO DO MUI ALTO E MUI PODEROSO REI DOM JOÃO O IV, NOSSO SENHOR cuja monarquia prospere Deus por largos anos, 1.ª edição de Lisboa, Oficina de Lourenço de Anveres, s. d. [1641]:
“Desde o domingo até a sexta-feira daquela venturosa semana se fizeram com grande
fervor e diligência infinitas preparações, ajuntaram-se as armas que para o efeito eram mais acomodadas, deu-se ponto aos amigos e parentes, e muitos convidavam para um empenho grande que sábado às nove horas da menhã haviam de ter no terreiro do Paço, sem declararem o que era. Não se passou noite nenhuma em que não houvesse junta em casa de João Pinto Ribeiro. Iam os fidalgos a ela com grande recato, porque importava já muito a dissimulação, e donde quer que a cada um deles lhe anoitecia, se apeava e, embuçados, entravam no Paço do duque, em cujas salas tudo era sombras e horror, e somente na casa mais oculta − que era aonde se fazia o conselho − estava ũa candeia tão desviada e com tão pouca luz que escassamente alumiava. […]
“Deu-se enfim o ponto para as nove horas da menhã, e deu-se ordem a todos para
que, poucos a poucos, por vários caminhos, se ajuntassem no terreiro do Paço, o que se fez com recato e boa disposição, que uns em coches, outros a cavalo, outros a pé se dividiram em troços por todo aquele espaço que há desd’ o Arco dos Pregos até o Arco do Ouro.[…]
Neste comenos deu o relógio do Paço nove horas, e como quando o fogo de ũa mina
atea na pólvora e saem num mesmo instante por várias aberturas da terra − em cópia larga,com medonho ímpeto − mil raios e mil despedaçados e abrasadores mármores, assi feros, assi terríveis e assi furiosos saíram num mesmo tempo alguns fidalgos dos coches, e logo foram em seu siguimento com a mesma deliberação os mais que, a cavalo, ou a pé, vinham para aquele efeito. Subiram todos intrépidos por ũa e outra escada do Paço, já com as armas prontas, e dispostos para ver a cara ao mais estupendo transe em que desde que hove guerras no mundo se viu o coração humano”.

Para saber mais sobre os marcadores de tempo colectivos na capital e a sua relação com os poderes religioso, político, económico e científico, desde a Reconquista até aos nossos dias, acaba de sair a obra Tempo e Poder em Lisboa – O Relógio do Arco da Rua Augusta, da autoria do jornalista e investigador Fernando Correia de Oliveira e do olissipógrafo José Sarmento de Matos. O livro está disponível ao público em exclusivo nas livrarias Bertrand e na própria editora , a Espiral do Tempo, por 19,50 euros.

1 comment:

isabel tiago said...

Gostei despe pedacinho da nosso história e também de saber da edição do livro. Vou tentar adquiri-lo.