Thursday, February 25, 2010

Que se passa com o nosso Big Ben?

Não, não vou falar das 12 baladas junto ao Tamisa, em que multidões rejubilam anualmente por ficarem mais velhas, nem do velhinho Junghans da parede lá de casa, mudo e quedo desde 1944 por causa de tola superstição com que um destes dias terei de acertar contas; mas sim do relógio mais importante cá do burgo, que é como quem diz do relógio, ou melhor, do mais recente (1941, outra vez essa década!) dos relógios a que o Arco Triunfal da Rua Augusta tem vindo a dar guarida. Pode não parecer mas de facto, e como dizia outro dia um amigo, ele é o nosso “Big Ben”. Feito à nossa escala. Usufruindo dos poucos direitos e garantias do nosso tão tristonho património, mas nem por isso deixando de padecer de todos os seus males.

Faço-o porque me revolto quando o vejo e vejo como aqueles belos e pesados ponteiros estão constantemente desentendidos com o meridiano de Greenwich, ou simplesmente parados e a fazerem de conta, feitos bonecos de foto para turista acidental, duplamente espantado pelo estado lastimável em que o arco se mantém, década após década (estatuária a desfazer-se perigosamente, minúsculos “jardins suspensos”, etc.), e pelo desacerto crónico daquele relógio, indisfarçável sintoma de um povo.

Dupla revolta pois em 22 de Outubro de 2007 anunciaram-nos com pompa e circunstância, envolvendo até jantar de gala nos Jerónimos, o restauro daquela histórica máquina do tempo. Restauro feito com dinheiros de mecenas entusiasmados e provenientes da terra com que Welles, perdão, Harry Lime, tão injusto foi em «O Terceiro Homem», dizendo que os suíços em 500 anos de paz e democracia apenas haviam produzido o relógio de cuco. Houve direito a loas e à edição restrita de 32 (os anos que o arco demorou a ser construído) relógios comemorativos do mecenato, os “Reverso Squadra Augusta”, em ouro e com o Arco gravado. Os governantes exultaram e anunciaram: o mecenato seguiria por protocolo para a relojoaria grossa de Coimbra e Porto, pois então.

Contudo, passados que estão 2 anos e 4 meses sobre a dita “inauguração”, a constatação de facto é de que tudo não passou de um logro, já que o relógio nunca funcionou regularmente. Neste exacto momento os antigos mecenas já se arrependeram de ter dado e feito o que deram e fizeram por estes ingratos cá de baixo. Mas neste exacto momento, também, não devem faltar ideias e projectos para acesso e usufruto público do interior do arco, talvez até alguém se lembre de abrir um quiosque lá no alto com vista para o Tejo. Relógio? Coloque-se um mecanismo digital, (h)ora!



In Jornal de Notícias (24/2/2010)

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